terça-feira, 18 de agosto de 2009

Coulrofobia

Palhaços. Estranhos, enigmáticos, talvez até assustadores. Talvez não, palhaços, de fato, são assustadores.
O que muitos vêem em pessoas com os rostos pintados, usando roupas coloridas e largas e com um nariz vermelho. Eu vejo medo, pavor, terror.
Desde quando tenho minha primeira memória, tenho a imagem de palhaço, como um ser de certo, maligno. Eu posso até estar errado, mas o palhaço, de certa forma, é um ser místico, ao menos para quem o vê como eu.
Desde que aprendi a ler, comecei uma busca de forma insaciada, pelo tal ser místico.
Quando ainda era um pequeno garoto, comecei a associar alguns crimes que andavam acontecendo de modo costumeiro em minha pequena cidade no interior de um pequeno estado, que se situava no interior de um grande país, conhecido como Brasil.
Na época, surgiram algumas lendas de os criminosos cometerem seus atos ilícitos trajando roupas de palhaços, assim como as maquiagens por eles utilizadas.
Algo em isso começava a me fascinar pelo mundo do crime e me apavorar com os palhaços; não me fascinava pelo ato de cometer um crime, mas sim de participar desse ato; não como um criminoso, mas talvez, como um combatente dele.
Minha família, naquela época, era muito humilde. Não tínhamos uma boa qualidade de vida, aliás, nesse país que eu vos cito, e naquela época, não eram muitas as famílias que eram bem-sucedidas.
Como eu era pequeno, e tinha uma imaginação fértil, passava o dia todo pensando e planejando acabar com a ação dos criminosos.
Ficava o dia todo com a imagem de um palhaço em minha mente.
Eram poucos os meios de comunicações aquela época,e como não havíamos como adquirir esses meios, eu recebia o conhecimento desses atos costumeiros através do povo, logo, eu nunca tive um contato visual com um palhaço criminoso, então associava aquele ser místico que participava da decoração do berço de meu irmão menor a um assassino.
Era rotineiro eu sair da escola na qual eu estudava devido a bolsa que meu pai havia me concebido, graças ao seu novo emprego, tudo mostrava que nossa vida estava prestes a mudar. Mas como comecei a citar meu ato costumeiro, eu doucontinuidade à esse ponto.
A minha rotina era acordar, ir à escola, lá eu ganhava minha primeira refeição do dia, e ia assistir aula, terminadas as aulas, eu ia descobrir algo sobre os tais palhaços.
Geralmente eu freqüentava um galpão abandonado e me repousava lá, lendo sobre psicologia, criminalidade e até sobre as diversas religiões, a fim de encontrar algo aceitável pela minha fértil imaginação;
Não citei ainda à vocês leitores, mas para mim, os palhaços eram o que vocês conhecem como espírito. Para mim, uma pessoa nasce, vive, cumpre sua missão, morre corporalmente e vão para um cenário belo, a fim de dar todas as risadas que deixaram de dar ao longo de sua vida. Minha família sempre sofreu muito pelo fato de não sermos bem-sucedidos, e todos os membros dela trabalhavam até o exausto noturno, acho que por esse motivo eu imaginava a vida após a morte assim, um cenário alegre.
Como as pessoas que acreditam em espíritos, de um modo geral, sabem que existem espíritos bons, e espíritos maus. Alguns que ficam sobre nós, e alguns que se vão para ser reencarnados.
Para concluir meu pensamento de “vida”, lhes digo, que durante toda a minha, segui essa “religião” por mim criada. Eu acreditava que após a morte corporal, algumas almas iriam para esse cenário alegre que citei, outras não conseguiam chegar à esse lugar. Eu imaginava esse tal cenário, como uma festa à fantasia, na qual, em regra, todos eram amigos. As almas, ou os palhaços, como preferirem, que não conseguiam chegar à essa festa, ficavam entre nós, lutando para encontrar a entrada.
Muitos acabavam se zangando, e se tornando maléficos, como se quisessem apenas matar para ver se as novas almas que trajavam roupas de palhaços soubessem o caminho, e os ajudassem.
Como passei boa parte de minha vida procurando entender essa lógica, nem preciso citar quem eles começaram a “caçar”. Pois bem, caros leitores, foi a mim.
Estranhamente, eu não precisei perecer, para que eu pudesse começar entrar em contato com eles. E não só entrar em contato, mas também vê-los e toca-los, me tornando alvo fácil para que eu fosse vítima deles com maior facilidade.
Todos os lugares que eu ia, tinha um me seguindo, não sempre o mesmo, eram diversos, e às vezes, para aumentar o cenário horrendo, os diversos ao mesmo tempo.
Alguns deles segurando balões, alguns grandes, alguns pequenos, alguns magros, algumas.
A primeira visão que tive, foi tentando estabelecer contato, por simples hobbie. Foi horripilante, quando ele se fez visível em minha frente. Lembro até hoje daqueles dentes amarelos e afiados; aquela pele pálida e fria como um cubo de gelo; aquela expressão dura de ódio, misturada com um meio sorriso, talvez irônico, mas era um sorriso.
Se eu tivesse problemas cardíacos, eu poderia já ter me misturado a eles.
Não trocamos palavras alguma, ele apenas se fez visível por um momento, e sumiu, indo sei lá para onde, ou continuando ali, mas de modo que eu não pudesse o enxergar.
A imagem de uma bola redonda e vermelha que ficava à altura de minha testa, mas que fazia parte de seu nariz, ficou em minha mente, enquanto eu, inerte, retomava a consciência.
Os dias foram se passando, assim como os meses, chegando por fim, os anos, e durante essa transição de tempo, as visitas foram ficando cada vez mais freqüentes, mas mesmo com a freqüência e o costume de presenciar aquelas fantasias horrendas, o pavor não passava. Cada vez que eu presenciava a aparição de um deles, sentia meu corço arrepiando, do peito do pé à cabeça.
Não só os via, mas também conversava com eles, alguns inocentes querendo chegar à festa; alguns ameaçadores; alguns com a aparência de um, mas eram de outro tipo.
O que mais me intrigava nisso tudo, é que a minha mente infantil e fértil, estava certa sobre o decorrer da vida.
Eu não era uma pessoa igual às outras, isso já estava claro para mim, mas eu era também sensitivo a eles. Não sei se pelo fato de ser conhecedor da verdade, ou se eu já carregava isso em minha alma pintada.
Ficava refletindo, em horas de repouso, se eu acabaria que nem eles, sem ter um lugar para ir, matando pessoas à procura de ajuda.
Eu estava me tornando mais forte contra eles, eu queria que aquilo acabasse. Eu queria que eles encontrassem logo o que procuravam, e deixasse as pessoas inocentes em paz, para que elas seguissem suas vidas, até a morte, e assim, dar continuidade a esse interminável ciclo.
Eu já tinha alguns conhecimentos adquiridos.
Sabia que aquelas almas poderiam ser extintas de nosso meio. Eu tinha o conhecimento, na teoria, de como. Eles também sabiam que eu era a pessoa apta para ajudá-los.
Eles começaram fazer da minha vida um inferno, se é que existe um diferente desse mundo em que vivemos.
Nunca levei ao conhecimento de meus pais e de ninguém, sobre essa minha religião, mas os palhaços faziam de tudo para que eu contasse para todos. Eles gostavam desse tipo de jogo. Faziam isso para obter a minha ajuda, mas na verdade, se eu ajudasse-os, acabaria ganhando uma entrada antecipada para a tal festa.
Eles não tinham hora para atormentar meu sossego. Apareciam casualmente durante o jantar, enquanto estavam todos postos à mesa, geralmente um deles se sentava ao meu lado, era horripilante cear com um “monstro” ao seu lado, lhe dizendo coisas horríveis, e tu não poder nem olhar, para que ninguém percebesse; apareciam durante meus banhos, ou enquanto eu estava me barbeando no espelho do banheiro, algumas vezes, um se arriscava em fazer a minha barba enquanto me fazia ameaças e me pedia ajuda; sentavam do meu lado no banco do carro; ou ainda, deitava-se em minha cama, quando eu estava com minha namorada.
Por algum motivo, por até psicopatia, eu penso sempre no final antes, e depois reconstruo a história, deixando o começo sendo a ultima parte, talvez até sem importância.
Sempre pensei na ultima parte, como o encontro de palhaços, e extraindo-os da população. Mas nunca pensei no começo, em quando eu ainda era pequeno, em quando eu comecei a estudar sobre esses seres enigmáticos. Tudo foi influência de uma série de atos criminosos, nos quais os participantes se vestiam de palhaços.
Resolvi, dessa vez, esquecer o fim, e me focalizar no começo.
Os palhaços eram obstáculos em tudo quanto é tipo de pesquisa que eu iniciava. Se eu fosse usar o computador, lá estava um para cortar o cabo de energia. Se eu fosse à biblioteca, lá estava um para rasgar os jornais antigos os quais usei de base.
Foi então que decidi seguir o destino. Saí de casa com a desculpa de estudar fora. Em essas alturas, minha família já tinha construído um nome familiar importante, que duraria por gerações. Finalmente todo o trabalho, estava gerando algum retorno. Felizes eram eles, que tinham uma vida normal, que poderiam gozar do fruto de seus trabalhos. Mas sabiam o que lhe aguardavam ao outro lado disso tudo.
Buscando por registros policiais antigos, acabei em uma penitenciária, para visitar alguns dos criminosos que se vestiam de palhaços. Alguns já haviam morrido, e se tornado palhaços de verdade.
O que todos tinham em comum, era o fato de temerem palhaços, mas mesmo assim, trajar-se como eles.
Concedendo ao carcereiro uma boa quantia em dinheiro, consegui que eu tivesse uma visita intima com todos os participantes daquela série de crimes.
Fiquei à sós com eles no pátio em que eles tomavam sol, e iniciei um breve interrogatório, repetindo as mesmas perguntas à todos os 6 que lá estavam.
Descobri que todos tinham o mesmo pensamento que eu comecei a ter quando criança, e fui desenvolvendo ao longo de minha jornada. Eles justificaram os crimes cometidos, como forma de acabar com o terrível espetáculo de palhaços no meio de humanos. Eles buscavam meios de descobrir onde era a entrada para a festa.
Eu não era um criminoso, por isso evitei esse caminho, desde o começo, quando recebi essa proposta por um dos primeiros palhaços que me apareceu.
Ao sair da penitenciária, me dirigi a um hotel, paguei uma diária, peguei a chave do quarto 86 e fui acompanhado por um palhaço até o oitavo andar, o qual ficava o apartamento 86.
Amedrontado, entrei rapidamente em meu apartamento, percebendo que alguns hóspedes reparavam em mim. Talvez eu estivesse com a aparência afobada, já que um palhaço estava me seguindo.
Entrei de forma ligeira e logo tranquei a porta, como se esse ato fosse adiantar em algo, já que ao me virar, lá estava aquele ser capaz de causar calafrios em qualquer pessoa.
Aquele palhaço de pé junto ao frigobar, que me acompanhara desde a recepção do hotel, era ainda mais horripilante que os outros. Ele não usava uma maquiagem comum, mas sim toda em preto, assim como toda a sua roupa, e até o seu nariz. A única coisa que não mudou dos outros, foi o sorriso amarelo e com dentes afiados. Em poucos segundos, pude observá-lo sumindo em minha frente, igualmente o primeiro que me apareceu, dizendo apenas: “missão cumprida”.
Virei-me para a televisão, e liguei-a.
O noticiário me mostrava uma chocante matéria. A matéria era sobre um senhor que se vestiu de palhaço, entrou na penitenciária na qual estavam alojados os antigos criminosos, que assim também se vestiam, e executou-os.
Comecei a pensar em como aquele ser que me seguira, conseguiu se tornar visível aos olhos de todos, inclusive das câmeras de segurança, para cometer tal feito.
A campainha do quarto, nesse momento, começou a soar, sem fazer pausa em seu som estridente.
Levantei-me da cama, e abri a porta. Para minha surpresa, era a polícia.
Senti uma pequena agulhada na perna, e apaguei.
Sem ter a noção de tempo nem lugar, acordei. Estava em uma sala fechada, com espumas na parede e vestindo uma camisa de força. Era um manicômio.
O médico abriu a porta, e pediu para que eu saísse.
Eu apenas obedeci, sem nada contestar e nada entender.
Bom, leitor. Até aqui, mostrei o meu ponto de vista. Para mim, esse é um resumo de minha infeliz vida, mas o que foi diagnosticado, é que eu sofro de coulrofobia, o medo de palhaços, que fundido com a minha psicopatia, eu cometi aqueles homicídios, sem me dar conta.
Mas se eu for retomar o meu ponto de vista, sei, assim como tu sabes, quem realmente cometeu aquele ato.




narduci, renato ferreira