sexta-feira, 15 de maio de 2009

Medo

Fobia, tem gente que prefere tratar assim esse assunto de "medo". Talvez não seja só um medo bobo que tenho, mas sim certo pavor, de certas coisas que são ridicularizadas por pessoas, muitas delas até são incrédulas, quanto a sua real existência, mas só quem já passou pelas mesmas experiências que eu, sabem do que estou falando.
Independente de você acreditar em mim, ou não, estou aqui para relatar-te acontecimentos que eu vivenciei.
Acho que todos nós temos lembranças de certos pontos de nossa infância. Acontecimentos que jamais aquelas pessoas para quem contamos os tais incríveis acontecimentos por nós passados se lembrem, por mais força que façam. Acontecimentos que somente nós mesmos nos lembramos.
Bom, como não sigo certa cronologia de minha vida, nem ao menos lembro a ordem com que os fatores foram acontecendo, então lhes relatarei de acordo com o que condiz minha velha e falha memória.
Naquela época, era apenas garoto. Não sei lhe dizer com que idade estava, mas certamente eu freqüentava o primário, e como em toda escola tem divisões de grupos que os próprios alunos separam, na minha não poderia ser diferente. Eu nunca tive problemas com socialização, se é que posso utilizar essa palavra, me tratando de que estava ainda no primário, mas também não posso dizer que eu era o pop da escola. Tinha grupos maiores, e menores do que o meu. E amigos de verdade no grupo, lembro que éramos quatro. Eu, o Lucas, o Matheus e a Michele. Por mais que outras pessoas ficavam conosco, sempre acabavam se afastando, exceto nós, que éramos realmente ligados pela amizade. Em tese, não havia motivo nenhum que faria com que nos separasse, talvez, hoje, já se passado mais de 40 anos, continuássemos sendo amigos, se não fosse pelos tais acontecidos que comecei citar acima, e antes que eu acabe entrando em algum outro assunto, começarei a dizer o porquê não estamos juntos hoje.
O primeiro acontecido foi em um dia comum, quando, por um motivo fútil e infantil, resolvemos atormentar aquilo que estava em repouso eterno, se é que me faço claro.
Brincadeiras de evocação de espíritos eram normais entre pessoas de nossa idade. Acho que mexer com o perigo era motivo de grande excitação e medo. Eu sempre gostei desse tipo de coisa, mesmo sendo cético quanto ao assunto, já meus amigos, para ser mais específico, os três que mencionei acima, mostravam certo interesse pela ‘brincadeira’, e não só isso, mas eles também acreditavam em tais fatos.
Comunicações era regularmente feita através de objetos, como copos ou compassos sobre uma tábua ouija. O primeiro espectro que conseguimos contato pediu para que fossemos até uma velha mansão em um local afastado da cidade, a fim de que o alimentássemos, e para que não parássemos de jogar até que ele nos autorizasse. Eu como incrédulo achando que aquilo tudo era uma farsa, fui o primeiro a aceitar. Meus amigos até que tentaram não se expor a tal aventura, mas acabaram seduzidos pelas minhas opiniões.
A mansão de qual o espectro falara, era uma linda e enorme casa com aparência antiga, mas que fora reformada para permanecer bela.
Antes de ir lá com os meus amigos, resolvi conhecer um pouco da história da casa, pois toda mansão antiga tinha uma fantástica história para ser ouvida.
Perguntei aos meus avós sobre a casa, eis que me revelaram uma lenda, a qual dizia que os últimos moradores que lá habitavam haviam perecido. As filhas haviam sido mortas pelo pai, que chegara embriagado em casa, e logo após teria cometido suicídio, e a mãe teria ficado insana ao se deparar com tamanha tragédia.
Fiquei fascinado pela lenda contada por eles, pois adorava casos que pudesse haver detetive; inclusive, essa era minha pretensão para quando crescesse, ser detetive. Consegui o que eu queria, sou um detetive. Já vi tantos casos em minha vida, e até os que aparentavam ser os mais sobrenaturais, têm uma explicação lógica, mas não generalizando, digamos que quase tudo tem uma explicação lógica.
Lembro que certa vez investiguei um caso, no qual o meliante era um investigador da polícia civil de uma cidadezinha no interior, o sujeito era realmente psicótico. Ele fingira ser vidente para executar um amigo que julgava ter o traído. Bom, mas isso não vem ao caso.
Como estava falando sobre a mansão, contei aos meus amigos sobre a tal lenda, e acabei despertando mais entusiasmo neles.
O dia e a hora combinada pelo espectro não demorou a chegar, ao menos para mim, que não estava ansioso para tal fato.
Unimos-nos, Eu, a Michele (ah, doce Michele), o Lucas e o Matheus e entramos em a casa.
A casa era linda por dentro, e ninguém morava lá, talvez a tal lenda fosse verdade, e os familiares nunca tivessem procurado pelos direitos de ficar com a residência e a mobília de a casa.
Cada móvel que repousava há um bom tempo em a casa, estava em perfeita sintonia com o ambiente, como se fosse um quebra-cabeça, no qual os móveis eram as peças que estavam a faltar apenas com a aparência do salão.
O chão de taco e a escada de madeira eram praticamente perfeitos para o horror de meus amigos, e confesso, estava começando a me sentir em um filme de terror.
No piso térreo pós a entrada pela sala, havia em o lado um corredor que levava até uma sala de jantar, de o outro lado, uma cozinha, e em a saída de a cozinha uma varanda.
Depois de visitado o piso térreo inteiro e notado alguns detalhes intrigantes, como detalhes que eram exatamente iguais à lenda ouvida em a semana anterior. Um exemplo marcante de os detalhes era o cinzeiro sujo em a varanda, e pelo que dava para perceber, não havia muito tempo que tinham apagado o ultimo cigarro em aquele cinzeiro.
Mas não era esse o foco principal de nossa visita, então preferi não comentar nada com meus amigos e fomos ao piso superior, no qual havia três quartos normais de grande metragem, e um quarto de brinquedos com uma boneca à frente, detalhe também contado em a lenda. Mas não foi o que mais me chamou a atenção. O que mais me manteve ligado, e colocou em minha mente a lenda como fato verídico, foi o odor de grãos de café queimados que o quarto fechado possuía. Meu pai, que fora escrivão de polícia quando vivo, me contou que para se tirar o cheiro de podridão de um local queima-se café, e os policiais faziam isso para poderem trabalhar em o local.
Depois de visitarmos praticamente todos os cômodos da mansão, voltamos à sala de centro, estendemos a tábua ouija para evocar novamente o espectro e estabelecemos contato com ele, o qual pediu para apenas a linda Michele ir à varanda.
Continuamos com o jogo pré-estabelecido pelo espectro até a intromissão de a Michele, que com tom grosso e arrogante, pronunciou palavras em um idioma desconhecido por nós, mas fez-se entender que o recado fazia referência ao Lucas.
Michele caíra desmaiada.
Ficamos totalmente atônitos permanecendo imóveis por cerca de trinta segundos, quando a Michele retomou a consciência.
Com expressão de espanto, todos nós esperávamos que ela pronunciasse algo, e foi exatamente isso que ela fez.
Contou que adormecera a pouco ao lado de a tábua, tivera um sonho, e descrevia exatamente o que tinha acontecido em aquele local.
Muita aventura em um único dia, não achas? Sim, eu também acho.
Por aquele dia tinha acabado. Levantamo-nos, pegamos nosso objeto enigmático, e saímos da mansão.
Nenhum de nós teve a coragem de pronunciar fora da mansão o que acontecera lá dentro. Seria nosso segredo.
Lembro que outra vez em que tivemos a coragem de continuar com o jogo estabelecido pelo espectro, foi decorrente de alguns fatores que mostravam ser a “obra-de-arte” de nosso espírito particular. Não via outra explicação lógica para tais acontecimentos, aliás, o fato de estarmos nos comunicando com o outro lado da vida, se é que podemos chamar esse outro lado de vida, já não era uma explicação lógica. Somente após voltarmos a jogar pudemos cessar os fatores que comecei a citar acima. Um desses fatores foi a morte de meu avô. Assim como a morte do avô da Michele, e a do avô do Lucas e do Matheus; isso em torno de um mês, ou pouco mais.
A partir de o dia em que voltamos à velha mansão, pois tínhamos decididos que só iríamos estabelecer contatos em aquele estabelecimento residencial, que por fora parecia tão amigável, mas que por dentro, além de o mau odor que a casa estava recebendo com o passar dos dias, aliás, não faço a menor idéia de o porquê. Era ainda mais horripilante seu cenário. Decidimos também, que não abandonaríamos os jogos, agora semanais, toda madrugada de sexta, às três horas, que foi esse horário estabelecido pelo espírito.
Éramos todos crianças, nossos pais nunca iriam autorizar nossa saída de casa em aquele horário, muito menos se contássemos a verdade. Às vezes acabava sendo difícil fugir de casa sem a percepção deles, e muita dessas vezes, em que não conseguíamos estar os quatro presentes, o espírito não perdoava a falta de qualquer um de nós. Deve ter sido esse o motivo do óbito da doce Michele. É com lágrimas dolorosas em meus olhos que tenho a certeza de que fui o culpado pela parada cardíaca da tão saudável criança que ainda hoje amo. Por um certo motivo, eu nem me lembro o qual, mas não pude comparecer ao jogo, que a essa altura, chamávamos de reuniões.
O espectro, cada vez mais sobre nosso controle, impedia que parássemos de jogar, mesmo já se passado algum tempo que tínhamos o iniciado, para ser mais exato, torno de quatro ou cinco anos.
Acho que não citei o que fazíamos durante as reuniões. Bem, as reuniões eram iniciadas por uma oração em latim, que não fazíamos a menor do que significava, mas era de vontade do espírito; seguíamos o evocando, e conversando com ele, de forma natural, ele nos contava como tinha sido sua vida detalhadamente à medida que fazíamos alguns favores a ele, ao menos ele chamava assim, o que julgávamos missões.
Leitor, tu sabes o que é subtrair a vida de uma pessoa? E subtrair a vida de uma pessoa enquanto se é criança ou adolescente? E subtrair a vida de várias pessoas, apenas para ter sangue fresco e continuar um suposto jogo? Eu passei por isso. Não era tão difícil de fazer, já que o espírito estava sempre ao meu lado.
Desistir e morrer? Isso já estava fora de cogitação há algum tempo, não somente eu morreria, mas todos que estabeleciam algum tipo de laço afetivo comigo e com os outros dois que ainda me acompanhavam.
Um fator que ainda não mencionei, foi que meus aniversários, além de os presentes costumeiros que recebia de minha família, era contemplado por uma dádiva que o espectro me concedia; acho que dádiva era a palavra que mais se cabia diante a situação que vivenciava.
As dádivas eram algo que para pessoas “normais” eram coisas abstratas. Eram: mais coragem, mais força, até mesmo mais maldade. Eu não era mais a bela criança da qual dei início à história. Além de agora já não ser mais criança, e já não possuir as mesmas feições devido a processos naturais de crescimento e desenvolvimento do ser – humano; já não pensava da mesma forma que antes, não por causa de desenvolvimento mental, mas pelo que o espectro me passava. Estava criando um psicopata em mim, algo que ele não fora em vida, mas quisera ter sido.
O que mais me amadurecera nessa história, foi a morte de meu irmão. Meu irmão era a única pessoa fora do grupo que sabia o que acontecia em as minhas madrugadas.
Meu irmão, fora a pessoa que me ouvia, me ajudava, estudava sobre o assunto para conseguir me ajudar. Era meu apoio, fora o que me manteve vivo até aqui. Fiquei sabendo o real motivo da morte de meu irmão aproximadamente três anos depois de seu falecimento, quando o espírito me revelou que o matara para que eu pudesse ser mais independente.
A cada dia que passava, eu sentia mais ódio daquele maldito espírito. Maldita hora que fomos o evocar. Sabe-se lá o que aconteceria em minha vida se nunca tivéssemos feito isso. Talvez eu estivesse junto de a doce Michele agora. Mas assim como o ódio que eu sentia pelo espírito, uma parte de mim começava a amá-lo, eu começava a me identificar com ele.
Em essas alturas eu já não era mais cético, acreditava em um poder bom e um poder mal do outro lado da vida. Acreditava em Deus e em o Diabo.
Já tinha dezoito anos quando resolvi trabalhar e sair de casa, seria mais seguro para mim e para minha família.
Não acho que consegues imaginar aonde fui morar quando saí de casa. Talvez já tenhas uma idéia pela ênfase que dei a esse ponto. Pois bem, procurei a imobiliária responsável pela placa escrito “for sale” que havia na frente da velha mansão que eram executados os rituais.
Os corretores me informavam que a casa estava apenas à venda, e que não seria objeto de locação; me disseram também que eu fui a primeira pessoa interessada em aquela mansão desde que fora abandonada, e que nem os familiares dos antigos moradores estavam mais interessados nela, nem mesmo os corretores demonstravam interesse em vende-la. Eles me explicavam algo sobre a usucapião, se eu morasse lá e ninguém demonstrasse interesse, eu poderia me tornar proprietário da residência.
Resolvi arriscar, se o espectro estivesse realmente ao meu lado, faria com que eu continuasse lá.
Penso que não cheguei a mencionar, mas eu estava sozinho no jogo. Matei os outros dois participantes, o espírito dissera que tinha interesse apenas em mim.
Fui elogiado pelo espírito, pela sábia decisão de ir morar naquela casa.
Com a convivência e a intimidade que tínhamos, ele começava a me revelar alguns mistérios do universo. Contava-me sobre a ajuda que os egípcios receberam de os extraterrestres, para as construções de as pirâmides, contava-me sobre os pactos que os famosos faziam com o Diabo; contava-me sobre as mensagens subliminares; e leitor, eu vos digo, tu não fazes idéia de o poder que atua entre nós. Tanto os benéficos, quanto os maléficos.

Acordei assustado, a ultima noite antes de escrever essa história a vocês. Como aconteciam todas as noites, os remédios indicados pelo novo psiquiatra não haviam provocado efeitos.
Sofro de oneirofobia. Esse é o medo que comecei a citar ao início, e acabei entrando em outro assunto, é o medo de sonhar. E tudo o que descrevi aqui, foi uma forma de desabafo para dividir contigo os sonhos que tenho.

Fobia, tem gente que prefere tratar assim esse assunto de "medo". Talvez não seja só um medo bobo que tenho, mas sim certo pavor, de certas coisas que são ridicularizadas por pessoas, muitas delas até são incrédulas, quanto a sua real existência, mas só quem já passou pelas mesmas experiências que eu, sabem do que estou falando.



narduci, renato ferreira